7 de julho de 2011

De qual realidade falamos?


            Com o desenvolvimento do conceito de inconsciente na obra freudiana, a compreensão da diferença entre a percepção consciente e a realidade externa foi sendo marcada. Em nossa investigação de mundo, abre-se espaço também à investigação sobre nossas percepções. Nosso ponto de vista pode se alterar, sem que para isso tenhamos mudado de lugar ou a realidade tenha se modificado.
Freud, ao escrever a Fliess que não acreditava mais ‘em sua neurótica’, não desconfiou do que lhe era dito, mas descobriu que o que cada um traz como sua história vivida não é a mesma coisa que os acontecimentos concretos. Uma investigação psicanalítica não parte apenas da diferença entre a realidade externa e a psíquica, mas das contradições dentro do relato de cada um sobre a sua própria percepção.
            Sonhos, fantasias, alucinações, devaneios estabelecem maneiras diversas de afastar-se da realidade. Na psicose, há um afastamento extremo da realidade, mas, na verdade, todo neurótico dá às costas a um fragmento dela. Por que este afastamento da realidade na psicopatologia? Em 1911, Freud, considerou que dar às costas à realidade está relacionado ao que é insuportável da realidade.  Insuportável!
            Refletimos, a partir disso, sobre o que é insuportável na realidade? O conceito de insuportável deve ser claro para que esta pergunta possa ser realmente uma abertura de investigação psicanalítica. O que afasta não é  simplesmente o ruim. Não apenas em 1920, ao desenvolver o que está além do princípio do prazer, mas dentro de toda obra, encontramos a preocupação com o teste de realidade. Porém, depois do conceito de compulsão à repetição, a compreensão de que há uma tendência a repetir o caminho mais facilitado, a repetir o caminho já trilhado, aponta que, para suportarmos um caminho, outros caminhos apenas abertos para repetir devem estar inibidos.  Portanto, para que algo seja suportável, não basta uma adaptação, nem um apoio, mas um lugar onde possa haver uma distinção entre o percebido e o lembrado. Entre o repetido e o novo. Entre o juízo e o julgamento.
A diferença entre juízo e julgamento é fundamental para compreensão do lugar da psicanálise. A dor, o sofrimento psíquico, a loucura, é um campo aberto para a identificação e o medo. Escutar, refletir sobre o realizado, e não sobre o que fazer com as idéias é a ação fundamental que separa as idéias do campo da descarga. Pensar sobre o que fazer com o que se sente e o que se pensa não é o campo da psicanálise. Refletir sobre o que se pensa e sobre o que se percebe do que se pensa é escutar sobre o seu lugar. Este é o campo de investigação psicanalítica.

Simone Engbrecht

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