Quem
cala?Quem fala?
Freud e a
Psicanálise nos ensinam que se não estivermos apropriados de nossa história
estamos sujeitos a repeti-la. Isso vale tanto para o âmbito pessoal quanto para
o social. A história do Brasil se repete tal qual um ciclo, onde as marcas do
passado se re-atualizam a todo o instante. Algumas marcas não são entendidas, tenta-se
apagar suas origens, mas elas permanecem vivas e ressurgem quando menos se
espera. São inúmeros os conflitos e guerras com motivações sociais na história
do país, mas muitas vezes, esta história é transmitida de forma a elucidar o
ponto de vista do opressor, esquecendo-se do oprimido, ou para ser mais
específico, quem ganha a guerra conta-a, quem a perde, cala-se.
O
longa-metragem de animação de Luiz Bolognesi, ‘’Uma História de Amor e Fúria’’
retrata diversas épocas do nosso país, e tendo como fio condutor a fúria pela
injustiça social e o amor, atravessa o período da colonização, o período
escravocrata, o regime militar, e termina em uma fictícia guerra pela água em
2096. Apesar de estarmos mais acostumados com animação para crianças, a
temática é adulta. O filme conta a história do Brasil do ponto de vista daquele
é derrotado nos conflitos ilustrados, seja o índio, o negro ou o militante
contra a ditadura. Bolognesi é preocupado em aquecer discussões, já o fez antes
em ‘’Bicho de Sete Cabeças’’ por exemplo, abrindo possibilidades para se pensar
a respeito do sistema de internação manicomial e sobre o uso de drogas. No
longa, a metáfora da ave fênix se faz valer, pois o protagonista é um pássaro
vermelho que ressurge em forma de humano nas épocas em ocorrem esses conflitos.
O que lhe dá força para lutar é o amor: é quando o pássaro encontra-se com sua
amada que ele se torna humano. É este amor que lhe dá força pra lutar e
continuar apesar das adversidades. O encontro profundo com outra pessoa lhe
instiga a vida e lhe dá o poder da transformação.
A mensagem que
fica do filme é: quem não se apropria do seu passado deixa com que ele afete e
interfira seu presente e seu futuro. Diante do sofrimento somente o encontro
com o outro pode curar, e é através desse encontro que se torna possível uma
interlocução para poder olhar melhor para si. A Sigmund Freud Associação
Psicanalítica caminha na mesma direção do filme. Através do Projeto ‘’Clínicas
do Testemunho’’ a instituição propõe um espaço de escuta para as pessoas afetadas
pela ditadura, para que através da Psicanálise e do encontro com o outro, como
poder de transformação, haja a oportunidade para que as marcas do sofrimento da
ditadura possam ser metabolizadas. Oportunidade para que essas não tornem a se
atualizar e a continuar ferindo a vida das pessoas que lutaram por um país
melhor. Faz parte deste projeto também, oficinas de capacitação para
profissionais de diferentes áreas, para que adquiram ferramentas para
identificação e formas de manejo com situações que envolvem violência de Estado.
Ou seja, um cuidado para que a história que se repete no social, pare um dia de
se repetir.
Poder elaborar o luto e a dor é a
forma possível de se ter uma sociedade melhor, uma vida melhor. Que bom que a
arte a e Psicanálise podem proporcionar experiências que engrandecem o sujeito,
respeitando seus espaços e suas dores para produzir algo novo e de valor. O
contexto era outro, mas serve aqui o refrão de Arnaldo Antunes: O pulso ainda
pulsa.
(Lucas Krüger, psicanalista em formação pela SIG)