24 de setembro de 2013

Quem cala?Quem fala?

Quem cala?Quem fala?

Freud e a Psicanálise nos ensinam que se não estivermos apropriados de nossa história estamos sujeitos a repeti-la. Isso vale tanto para o âmbito pessoal quanto para o social. A história do Brasil se repete tal qual um ciclo, onde as marcas do passado se re-atualizam a todo o instante. Algumas marcas não são entendidas, tenta-se apagar suas origens, mas elas permanecem vivas e ressurgem quando menos se espera. São inúmeros os conflitos e guerras com motivações sociais na história do país, mas muitas vezes, esta história é transmitida de forma a elucidar o ponto de vista do opressor, esquecendo-se do oprimido, ou para ser mais específico, quem ganha a guerra conta-a, quem a perde, cala-se.

O longa-metragem de animação de Luiz Bolognesi, ‘’Uma História de Amor e Fúria’’ retrata diversas épocas do nosso país, e tendo como fio condutor a fúria pela injustiça social e o amor, atravessa o período da colonização, o período escravocrata, o regime militar, e termina em uma fictícia guerra pela água em 2096. Apesar de estarmos mais acostumados com animação para crianças, a temática é adulta. O filme conta a história do Brasil do ponto de vista daquele é derrotado nos conflitos ilustrados, seja o índio, o negro ou o militante contra a ditadura. Bolognesi é preocupado em aquecer discussões, já o fez antes em ‘’Bicho de Sete Cabeças’’ por exemplo, abrindo possibilidades para se pensar a respeito do sistema de internação manicomial e sobre o uso de drogas. No longa, a metáfora da ave fênix se faz valer, pois o protagonista é um pássaro vermelho que ressurge em forma de humano nas épocas em ocorrem esses conflitos. O que lhe dá força para lutar é o amor: é quando o pássaro encontra-se com sua amada que ele se torna humano. É este amor que lhe dá força pra lutar e continuar apesar das adversidades. O encontro profundo com outra pessoa lhe instiga a vida e lhe dá o poder da transformação.

A mensagem que fica do filme é: quem não se apropria do seu passado deixa com que ele afete e interfira seu presente e seu futuro. Diante do sofrimento somente o encontro com o outro pode curar, e é através desse encontro que se torna possível uma interlocução para poder olhar melhor para si. A Sigmund Freud Associação Psicanalítica caminha na mesma direção do filme. Através do Projeto ‘’Clínicas do Testemunho’’ a instituição propõe um espaço de escuta para as pessoas afetadas pela ditadura, para que através da Psicanálise e do encontro com o outro, como poder de transformação, haja a oportunidade para que as marcas do sofrimento da ditadura possam ser metabolizadas. Oportunidade para que essas não tornem a se atualizar e a continuar ferindo a vida das pessoas que lutaram por um país melhor. Faz parte deste projeto também, oficinas de capacitação para profissionais de diferentes áreas, para que adquiram ferramentas para identificação e formas de manejo com situações que envolvem violência de Estado. Ou seja, um cuidado para que a história que se repete no social, pare um dia de se repetir.


Poder elaborar o luto e a dor é a forma possível de se ter uma sociedade melhor, uma vida melhor. Que bom que a arte a e Psicanálise podem proporcionar experiências que engrandecem o sujeito, respeitando seus espaços e suas dores para produzir algo novo e de valor. O contexto era outro, mas serve aqui o refrão de Arnaldo Antunes: O pulso ainda pulsa.

(Lucas Krüger, psicanalista em formação pela SIG)

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